quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

2010

Durante muito tempo o futuro não existiu. Chegar vivo ao por do sol era por si só um desafio e tanto. O futuro teve que esperar que aprendêssemos organizar o nosso passado para, só então, entrar em cena. E mesmo assim, era um futuro diferente do que o que temos hoje. Não era um tempo que virá e que nos trará a hora e a vez da felicidade. Não. Aquele primeiro futuro era um tempo que falaria de nós, de nossos feitos, contaria nossas façanhas. Um futuro em que nós já não existiríamos e de nós restariam apenas nossos momentos decisivos, históricos, vitais. Era preciso que hoje, agora, fizéssemos o nosso melhor para que fôssemos lembrados tempo afora. Os rituais, que repetiam os passos dos deuses e dos heróis, eram o futuro que se podia desejar. Aquele primeiro futuro chamava-se posteridade.

O cristianismo reinventou o futuro. Seremos nós que desfrutaremos do amanhã, esta é a promessa. Assim, não se vive mais para eternizar um nome ou um feito mas, sim, para eternizar-se a si mesmo. E só quando chegar o tempo do eterno é que se viverá de verdade. O futuro será eterno, mas não tem data pra começar. O Islã endossou esse novo futuro, o que não é tão estranho ou surpreendente assim. Mas os fiéis de Maomé não foram os únicos.

O leninismo, sem maiores razões, adotou essa noção de futuro tendo o cuidado, apenas, de adorná-la com algum materialismo histórico. Em vez da Jerusalém Celeste, o futuro eterno seria uma sociedade sem classes. Claro que uma sociedade sem classes é um futuro bom pra qualquer tempo. Mas quando esse futuro se transforma no futuro eterno que jamais começa abre-se espaço para todo tipo de insanidade.

As ditaduras burocráticas, cinicamente denominadas ditaduras do proletariado, desempenharam o papel de Vaticano do movimento histórico. Alimentadas por sua própria expansão, foram se prorrogando, se prolongando tanto e a tal ponto que de arautos do novo tempo se tornaram em muralhas para impedir que o tempo passasse.

O marxismo, porém, não é uma religião. Numa religião, sobretudo naquelas cuja base é a revelação ( judaísmo, cristianismo, islamismo ) cabe ao fiel crer ou não crer. O crente permanece, o outro se retira. Numa filosofia não se impõe esse dilema. Uma filosofia pode ser melhorada, ampliada, humanizada. E este processo está em andamento por todo o planeta. Há um marxismo revigorado cujo desenho começa a ser visível aqui e ali, num texto, numa idéia, numa ação. Entendendo que os tempos são quânticos e compreendendo que a felicidade não pode ser adiada um minuto sequer.

O futuro como posteridade me interessa mais do que a eternidade. Se meus netos ou bisnetos puderem viver um tempo mais justo, pouco importa se eu já não estiver por perto. O importante é o que faço e o que fazemos agora porque este será o passado que determinará os rituais do futuro.

2010 é tão daqui a pouco que já é agora. Que seja, portanto, o ano de nossas melhores façanhas.