segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

A ilha do general

Faz tempo, os neonazistas garantem que o holocausto não passa de um mito fabricado pela mídia financiada pelo dinheiro judeu. O presidente iraniano tem repetido isso, também, sempre que pode, em entrevistas, palestras e discursos. Na Turquia há uma lei que proíbe sequer a menos menção ao massacre dos armênios no início do século XX.

A principal falácia da segregação racial no Brasil segue a mesma linha de raciocínio, a mesma tática. A coisa consiste, pura e simplesmente, em negar que haja racismo no Brasil. Esta negativa, farsa prenhe de cinismo, tenta matar não dois, mas todos os coelhos de uma vez, com uma única chibatada. De cara, inventa um Brasil fraterno, solidário, e essa imagem de tranqüilidade sempre foi cara às nossa elites, mesmo antes do Geisel nos resumir como uma ilha sem conflitos. A segunda conseqüência da negativa também é emblemática: se não há racismo no Brasil então os movimentos de afirmação dos negros não passariam de organizações oportunistas e caluniosas, provavelmente composta por gente que não gosta de trabalhar e quer receber de mão beijada aquilo que os brancos, coitadinhos, suaram tanto pra conseguir. E em terceiro lugar, a negativa se incumbe do tiro de misericórdia: a existência de movimentos negros num país sem racismo sugere que, em verdade, pode até haver racismo em Pindorama, mas então os negros é que são os racistas.

Nascer branco, no Brasil, é nascer privilegiado. Mesmo na favela, o branco nasce com mais chances que o negro. Tive um bar, há tempos, e coloquei anúncio pra garçom. No anúncio, um telefone para marcação de entrevistas. Toca o telefone, de lá a voz pergunta: aceitam negros nas entrevistas ? Eu disse que claro que sim enquanto fazia uma rápida revisão de memória nos bares e restaurantes que conhecia: não lembrei mesmo de nenhum que tivesse negros atendendo as mesas. As multinacionais farmacêuticas não contratam negros para a função de propagandistas junto à classe médica. Claro que eles negam que seja racismo, é apenas um cuidado a mais para evitar constrangimentos nos consultórios chiques das grandes cidades em que algum médico pode preferir um Tafarel para lhe entregar as amostras grátis de cada dia. Não há negros nas escolas particulares, nos clubes caros, nas vizinhanças nobres

Não escapa ninguém: nasceu branco, nasceu quilômetros à frente na corrida pela sobrevivência. Quem é cristão vai compreender rapidamente o conceito da coisa. Sim, pele branca é uma espécie de pecado original num país que por séculos escravizou os negros, os filhos dos negros com negros, os filhos dos negros com brancos ( em geral frutos de estupros ), os mulatos, os moreninhos ... E isso carece de reparação histórica.

A coisa é tão louca que é comum que descendentes de negros neguem a própria negritude. A imprensa anda alardeando que o Andrade é o primeiro técnico negro campeão brasileiro de futebol. Fico pensando no Carlos Alberto Torres, no Joel Santana e confirmo o óbvio: sempre que possível, negro é o outro. Mas o Ronaldo que se cuide: ele pode se dizer branco quanto quiser mas no Brasil o ditado avisa: passou de seis e meia é de noite !!!! Por isso os moradores do prédio onde a mãe dele mora, na Barra da Tijuca, pressionam para que a família Nazareno se mude, o que esvazia os argumentos dos que garantem que no Brasil o preconceito é social, é contra o pobre, independente da cor. Claro que pobres são segregados, mas negros pobres são muito mais e negros ricos ou remediados também são.

Ao serem contraditos, os que negam o racismo nacional sacam do coldre a revelação que lhes parece tão indiscutível quanto definitiva: escravidão sempre houve na história da humanidade, mesmo entre pessoas da mesma cor, inclusive (gran finale) os negros escravizavam os negros e os revendiam aos portugueses que, inocentes como simples homens de negócio, os traziam pras suas colônias onde tudo seguia, apenas, a boa e velha tradição humana na Terra.

Como diria o Mesquita, eu pergunto: ta tudo muito bem, tá tudo muito bom, mas realmente ... o que é que o cu tem a ver com as calças ???? Qual movimento negro afirma que a escravidão foi invenção luso-brasileira? Por que citar a história da escravidão no planeta quando se discute racismo no Brasil? Quando alguém matar uma criança então devemos citar Herodes como atenuante? Se alguém torturar alguém até a morte bastará se defender dizendo que a turma do Pilatos fez muito pior com o rei dos hebreus?

Negar o racismo é multiplicá-lo por mil, é eternizá-lo. Negar sua existência é impedir que ele seja combatido, é desamparar por completo quem é discriminado. É humilhar de novo, e ainda mais, quem já nasceu humilhado.

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