sábado, 26 de dezembro de 2009

Os tios do tiozinho

Quando fiz o “Lucidez” eu só não perdi os poucos amigos que tenho porque reconheci como sendo deles o pleno direito de gostar de mim mas não gostar do meu disco. Um grama a mais de orgulho e eu teria ficado só no mundo. “Lucidez” não tinha compromisso com a beleza, apesar de ter momentos muito bonitos, inclusive na acepção mais tradicional que a idéia de beleza possa ter. O que eu fiz foi tentar imaginar e realizar um disco que pudesse ser considerado um legítimo descendente do tropicalismo. Não tenho dúvida de que consegui, mesmo admitindo que outras opiniões possam imaginar para o tropicalismo futuros diferentes do que o que eu imaginei.

Os dois últimos discos do Caetano fulguram tropicalistas, com uma sonoridade muito semelhante à que eu comecei a desenvolver em 2002. É bom ver Caetano rompendo com aquele ambiente chique da world music oficial e voltando a experimentar a sensação de estar sem lenço e sem documento. Aliás, ele foi o único a retomar a tropicália como linguagem e, melhor, revista e atualizada para os tempos nossos em que o mítico cérebro eletrônico virou algo que se leva no bolso. Gil continua em sua receita de mistura bem comportada, Gal se perdeu e perdeu a voz, Duprat e Torquato se foram e o Tom Zé segue sendo o que sempre foi, a fraude histriônica de si mesmo, o Pantaleão da música popular brasileira.

No disco anterior à ZIL e ZIE, Caetano tinha grandes canções pra mostrar e resolveu vesti-las de modo a não permitir conforto ao ouvinte. A audição de CÊ exigia, e segue exigindo, do ouvinte uma dedicação de enfermeira: qualquer distração pode ser fatal. No disco atual, que ouvi essa semana, a coisa se inverte. Caetano mantém o estilo e a estética, mas as canções já não são tão boas. A impressão é a de que ele já escreveu as canções pra se encaixarem no estilo e isso mata o contraste e empobrece o trabalho (mais ou menos como se Alegria, Alegria, em vez de marchinha, fosse já um rock pra combinar com as guitarras que serviriam de acompanhamento). Sem tanto brilho no conteúdo o disco se enfraquece, mas ainda assim é bem melhor do que a caretice reinante no Brasil há mais de 3 décadas.

Em todo caso, é a primeira vez que um disco de Caetano não traz a força costumeira do compositor. Isso chama ainda mais a atenção quando lembro do que senti ao ouvir o último do Chico com todo aquele mpbismo no pior sentido. E como se não bastasse, o especial global de natal deste ano exibiu um Rei sem voz e travado por uma dentição artificial (que também destruiu a já precária dicção do Erasmo ). Ainda é cedo pra dizer, todos os padrões de longevidade mudaram radicalmente, mas pode ser que estejamos vivendo o ocaso da mais brilhante geração de autores da música popular mundial. O que será uma pena, sobretudo porque sabemos que as regras do mercado nos deixaram sem os necessários sucessores.