quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Os futuros

Sampa, noite, mesa de bar. Dois amigos cinquentões conversam, ela e ele trocam recordações dos anos de chumbo, tempos de sufoco, década de 70, ditadura, censura, tortura, porões. Ela fala do namorado preso, dos dias de aflição em busca de notícias. Ele relembra a própria prisão, a saída forçada do país, a vida destroçada, os planos desfeitos, o futuro na lixeira. A conversa dos dois é observada de perto por um terceiro amigo, muito mais novo que eles. Jornalista, editor de um dos maiores grupos da imprensa nacional, ele vai escutando o desfiar de lembranças alheias e ele mesmo vai se sentindo cada vez mais alheio aos sentimentos que os cinquentões vão deixando voltar à tona, emoções de uma intensidade que parece anacrônica, fora de moda. Num raro aparte confessa que não consegue entender como é que alguém pode arriscar a própria vida por causa de um ideal. A frase soa com a estridência de um alarme e os dois cinquentões são arrancados do passado. Balbuciam qualquer coisa mas logo percebem que seria inútil argumentar. Ideais estão mesmo fora de moda. Eles foram substituídos pelos sonhos individuais, esses que são estimulados em novelas e em anúncios de bancos.

Lembro quando isso começou, essa tripe individualista. A década de 60 deixara marcas e frutos e, assim, os anos 70 começaram radicalizando os conflitos. Se os rádios gritavam que o sonho acabou as ruas mostravam que tinham aprendido a enfrentar a realidade com mais realidade ainda. Mas a força bruta seguia intimidando, amedrontando, acuando a resistência. Começaram as deserções, as reuniões esvaziaram-se, aqui e ali os cabelos foram encurtando e o medo disfarçado de realismo nos separou uns dos outros e de nós mesmos. A juventude mudara mais do que envelhecera. Nada de ideais, apenas o velho desejo de subir na vida. Se os rebeldes sem causa serviram de ponto de partida para uma revolução de costumes que inventou os hippies e a contra-cultura dessa vez eram os passos de Toni Manero que serviam de anúncio para a mudança dos ventos e o nascimento dos yuppies. Os Embalos dos Bee Gees e de John Travolta não mudaram apenas a trilha sonora do ocidente: serviram de símbolo para o enterro da solidariedade e a ascenção do cinismo à ordem do dia.

De todo jeito, lembrar é sempre mais fácil do que prever. Gostaria muito de saber qual é o futuro que está sendo desenhando nesse instante. Sigo pessimista sobre os próximos tempos mas meus ideais me fazem irremediavelmente otimista sobre os rumos da história. Espero que o rap e o hip hop sejam a trilha sonora de um tempo que molda o futuro dos meus otimismos.

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